Mostrando postagens com marcador Coltan. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Coltan. Mostrar todas as postagens

sábado, 24 de dezembro de 2011

Minério Coltan


No momento em que inicio este post, Fernando Nobre descreve na Sic Notícias o que , em sua opinião, é o combustível da guerra na República Democrática do Congo*, uma guerra que dura há quase dez anos, mais concretamente desde o dia 2 de Agosto de 1998. O médico sem fronteiras informa que este conflito ignorado já fez mais de 5 milhões de vítimas e escravizou inúmeras outras, muitas delas crianças, as principais vítimas desta guerra. Segundo um relatório de 2008 do International Rescue Committee, continuam a morrer por mês cerca de 45 000 pessoas em consequência de mais um conflito que não faz primeiras páginas.

Esse combustível, ou antes mineral,  de sangue é o coltan, na realidade dois minerais, acolumbite e a tantalite, ambos óxidos mistos de ferro, manganês, nióbio e tântalo, a columbite mais rica em nióbio (e contém ainda magnésio); a tantalite mais rica em tântalo. Ambos os metais, mais raros e mais cobiçados do que o ouro, são indispensáveis às novas tecnologias, de telemóveis a  estações espaciais passando pelas armas mais sofisticadas, algumas das quais utilizadas na guerra que assola o território onde se situam  80% das reservas de coltan.
O Ruanda e Uganda ocupam militarmente parte do território congolês, uma ocupaçãoviolenta que tem como objectivo explorar os recursos minerais do Congo embora esse objectivo seja disfarçado numa necessidade de combate a grupos rebeldes. Tudo isto perante a total passividade da mesma comunidade internacional que há bem pouco tempo tanto se indignou com outra guerra, de dimensões e consequências que empalidecem face a esta. A guerra que assola a República Democrática do Congo tem como causa última a ganância. E esta guerra tem a total colaboração dos governos ocidentais que fecham os olhos às actividades das suas empresas.
De facto, pelo menos desde 2002 que a ONU adverte da existência de uma rede complexa envolvida na depredação dos recursos minerais do Congo,  rede da qual fazem parte muitas empresas ocidentais que alimentam não só a violência como a corrupção sistémica desta zona do globo. Por exemplo, nessa altura o Exército Patriótico Ruandês (EPR) tinha uma bem montada estrutura para supervisionar a actividade mineradora no Congo e facilitar os contactos com os empresários e clientes ocidentais. Existiam várias empresas mistas formadas por europeus, membros do EPR e do círculo de pessoas próximas do então presidente ruandês Paul Kegame.
Em Outubro de 2008, Anneke Van Woudenberg -senior researcher para o Congo da Human Rights Watch  - escrevia num artigo que vale a pena ler, «A New Era for Congo»:
The armed rebel groups, rampant corruption, greed for the country’s mineral wealth, and a national army that commits rape and murder, all combined with a pervasive culture of impunity, require a transformation of the country itself.

  • Os grupos rebeldes armados, corrupção desenfreada, a ganância pela riqueza mineral do país, e um exército nacional que comete estupro e assassinato, tudo combinado com uma cultura de impunidade,requerem uma transformação do próprio 
Mas essa transformação não ocorrerá enquanto for rentável (e impune) continuar a roubar despudoradamente os recursos congoleses. Em 2002, quando terminaram o relatório, os peritos da ONU pediram que fossem tomadas medidas duras contra os autores destes crimes económicos, nacionais e estrangeiros, um embargo total dos minérios roubados, uma extensão do embargo aos estados que apoiassem os rebeldes, e, especialmente, que fosse criado um Tribunal Internacional para julgar os responsáveis e atribuir compensações às suas vítimas. Nada de muito consequente foi feito embora alguns criminosos de guerracomeçem agora ser julgados. E nada de muito consequente parece ir ser feito com o anúncio ontem pela ONU de que a MONUC, a missão da ONU no Congo,  terá um papel muito restrito no conflito, que me parece longe de estar terminado apesar do anúncio de que as tropas do Ruanda e Uganda deixarão o Congo no fim de Fevereiro.

*O ex-Zaire agora (outra vez) República Democrática do Congo ou Congo-Kinshasa, para o diferenciar do vizinho Congo-Brazzavile, é um dos maiores países de África. Independente desde 30 de Junho de 1960, o Congo assumiu à data o nome de República do Congo - em 1964 foi acrescentado o adjectivo «democrática». Mas de facto a democracia e a paz têm estado afastadas do Congo, em particular desde que em Novembro de 1965, Mobutu Joseph Désiré tomou o poder num golpe de estado. Mobutu estabeleceu uma ditadura personalista e em 1971 mudou o nome do país para Zaire e da capital para Kinshasa (ex-Leopoldville). Ele próprio passou a chamar-se Mobutu Sese Seko Koko Ngbendu wa za Banga, que significa «o todo-poderoso guerreiro que, pela sua resistência e inabalável vontade de vencer, vai de conquista em conquista deixando fogo à sua passagem».
O poder absoluto de Mobutu foi especialmente contestado a partir Outubro de 1996, altura em que explodiu no país uma rebelião liderada por Laurent-Désiré Kabila. Nos meses seguintes aumentaram os choques entre a guerrilha, baptizada de Aliança das Forças Democráticas pela Libertação do Congo-Zaire (AFDL) e o Exército, que enfrentou deserções em massa. Mobutu foi finalmente derrubado em Maio de 1997, e Kabila tornou-se presidente do Congo nessa data, cargo que manteve até ao seu assassinato em Janeiro de 2001. Foi sucedido pelo seu filho Joseph Kabila Kabange, que tentou pôr termo à guerra que assola o país e que, de acordo com outro relatório do International Rescue Committee, vitimou 3.3 milhões de pessoas nos primeiros quatro anos, entre Agosto de 1998 e Agosto de 2002 e fez cerca de 5.4 milhões de vítimas em menos de dez anos. (Palmira F. Silva)