segunda-feira, 29 de abril de 2013

A CIA na Amazônia

 Houve várias tentativas de aproveitamento da Amazônia para atender objetivos de outros países, sendo dos mais próximos, na década de 60, o projeto do Lago Amazônico do Hudson Institute/Hermann Khan, com inundação de grande área para propiciar pesca e, integração das bacias hidrográficas, peremptoriamente rejeitado. Seria para dificultar a exploração de recursos minerais? Reserva para o futuro e servir a potências estrangeiras?

E hoje, com as grandes reservas indígenas? Na fronteira, como a dos yanomamis, em território brasileiro e na Venezuela. Para lembrar, são mais de 9,6 milhões de hectares, o dobro da Suíça. Na Venezuela, 8, 2 milhões de hectares. Para servir a quem?


A CIA e os lagos artificiais na Amazônia

Lúcio Flávio Pinto

Um sistema de grandes lagos artificiais construídos na Amazônia foi o grande tema que atraiu a atenção geral para a região e a projetou novamente no mundo, na metade dos anos 1960, com ardor semelhante ao das hidrelétricas, hoje. A ideia foi apresentada pelo Hudson Institute, de Nova York, criado e dirigido pelo primeiro futurólogo do mundo, Herman Kahn, com peso proporcional ao tamanho do seu QI (o coeficiente de inteligência, que tanto glamour possuía na época).

Como o Hudson prestava serviços à CIA, a central de inteligência dos Estados Unidos, o projeto foi visto como um instrumento a serviço dos interesses imperialistas dos EUA na Amazônia. Por isso provocou discussões e reações de amplo espetro geopolítico. O mesmo desvario do empreendimento era repetido por seus críticos. Dentre eles, houve quem interpretasse o enorme lago a ser formado pelo represamento do rio Amazonas em seu trecho mais estreito, em Óbidos, como área de permanência da VII frota americana, que circulava pelo Atlântico sem pouso certo.

Neste depoimento inédito, que me enviou, o historiador David Gueiros Vieira apresenta uma explicação original. Foi o então embaixador do Brasil nos EUA, o famoso economista, ex-seminarista e futuro ministro Roberto Campos que pedira por encomenda ao Hudson um estudo sobre o aproveitamento do Amazonas. A tarefa foi delegada a Roberto Panero, que nem era engenheiro, por não ter concluído o curso de formação, mas tinha ideias megalomaníacas e delirantes.

O projeto não visaria exatamente o Brasil, mas o Peru. Devia permitir transportar os minérios peruanos até os Estados Unidos, que deles tirariam proveito. Passaria pela Colômbia, beneficiando a terra natal da esposa de Panero, que era, aliás, seu único contato com a América do Sul.

Na versão de Gueiros, foi uma loucura acidental. Roberto Campos tinha um propósito e o Hudson lhe entregou algo não só inviável como inaceitável. Com a reação crítica no Brasil, Campos ocultou sua responsabilidade pela encomenda e a empreitada foi esquecida e arquivada.

No entanto, mesmo que como livre exercício de imaginação arbitrária, o exame sobre a concepção de um sistema de grandes lagos pode ser útil ainda hoje. A barragem, com dois quilômetros de extensão sobre o leito do rio Amazonas, e 100 metros de profundidade, provavelmente seria irrealizável pela engenharia. Mesmo que fosse possível executá-la, seus efeitos seriam desastrosos, ao inundar uma área que iria de Óbidos a Manaus. Não só impactos ambientais e sociais, mas até sobre o equilíbrio do planeta, segundo alguns cálculos sobre aquela incrível massa aquática que surgiria nessa vasta área.

Como abordagem para a geração de energia, a barragem de Óbidos tinha um elemento importante. A represa era de baixa queda, justamente o contrário da opção seguida pelo governo brasileiro quando decidiu construir Tucuruí, a primeira grande hidrelétrica na Amazônia. Sendo de alta queda, provocou uma grande elevação do nível das águas do rio Tocantins a montante, inundando terras e florestas às suas margens e assim formando o segundo maior lago artificial do Brasil, com três mil quilômetros quadrados.

O grande lago do Hudson também apresentava, em tese, uma abordagem inteligente da Amazônia: através das águas e não, como faria o governo na passagem dos anos 1960 para a década seguinte, rasgando a floresta de terra firme por estradas de rodagem, um dos erros mais graves já praticados contra a região.

Um raciocínio futurista sugeria que, inundada, a planície terciária atravessada pelo Amazonas poderia vir a ser explorada através de lâmina d’água para a extração de petróleo, método muito mais eficiente e barato do que o acesso por terra. E o que mais interessava então, os minérios, podiam ser atingidos, nos espinhaços das formações geológicas mais antigas, também por água, através de grandes navios.

Para isso, porém, não seria preciso provocar inundações artificiais. Bastava seguir o caminho certo, indicado pela natureza, das múltiplas drenagens naturais, só as alterando quando o plano original da acomodação dos milênios de criação e recriação da natureza pudesse ser respeitado.

David Gueiros Vieira, que já foi diretor do Museu Goeldi e é autor de vários livros e artigos, sobretudo sobre o protestantismo, sua religião, se mostrou impressionado com o mapa que viu na sala de Robert Panero, ao visitá-lo. Era o melhor mapa que já vira sobre o Brasil, produzido pela Usaf, a força aérea americana. Todos os acidentes geográficos estavam ali registrados. Panero deve ter estudado esse mapa à exaustão, mas à distância. Sobre um referencial abstrato, ainda que na mais perfeita reconstituição, concebeu uma ideia da realidade que nada tinha a ver com a realidade mesma. Como Gueiros narra, é estultice sobre estultice, a partir de uma base cartográfica de tanta qualidade.

Assim é que têm surgido muitas das concepções sobre a Amazônia, edificadas sobre bases abstratas, sem o enchimento do saber que se origina da visão, percepção e raciocínio no local, in situ. Não só para ver a geografia em sua matriz real e viva, mas perceber a história que passou a existir quando o homem começou a interagir com ela. História que tem sido perdida ou desperdiçada com a mesma leviandade da apresentação do plano dos grandes lagos pelo Hudson.

Para que a história não se perca, publico o testemunho de David Gueiros Vieira, enviado de Brasília.

Em 1967, os jornais no Brasil noticiaram com alarde, que um grande “think tank” [tanque de pensamento, no sentido literal] americano “ligado à CIA”, estava propondo a criação de sete grandes lagos na Amazônia, que praticamente acabariam com a mesma. Afirmavam que isso seria um complô, para destruir a grande fonte de riquezas que o Brasil ainda possuía, tendo em meta manter o país na dependência dos Estados Unidos da América.

O histerismo antiamericano da imprensa esquerdista chegou a um alto nível, só comparável à outra mirabolante acusação, que estava sendo feita na época, de que os americanos estavam planejando “esterilizar” todas as mulheres no Amazonas. Era alegado que isso acabaria com a população brasileira naquela área, que seria então invadida pelos ianques! Essa acusação da “esterilização” já foi assunto de pequeno artigo meu, no qual demonstro a origem da mesma, bem como seu significado.

Em 1968, ainda estudante de pós-graduação, nos Estados Unidos, fui trabalhar para Joseph Ward & Associates - firma de geólogos e engenheiros de solo - em Caldwell, New Jersey, como chefe do escritório e relações públicas da mesma. O vice-presidente da firma, que pessoalmente me contratara - meu amigo Roy Eugene Hunt - informado sobre a proposta do Hudson Institute, me convidou a ir com ele, a ver de que maneira a firma Joseph Ward poderia se habilitar no planejamento e execução daquele grande projeto.

Afirmava que os solos amazônicos são frágeis, e que os lagos propostos enfrentariam os maiores problemas de solo do mundo. Fui convidado a ir nessa visita por ser brasileiro, bem como relações públicas da Joseph Ward. Fomos entrevistar o próprio Robert Panero, autor da proposta.

O Hudson Institute está localizado às margens do Rio Hudson, no estado de Nova Iorque. É uma área belíssima, bem arborizada e com residências belas e bem montadas.

Robert Panero era um cidadão mais ou menos da minha idade, na casa dos trinta anos. Seu escritório tinha um mapa do Brasil enorme, que ocupava uma parede inteira. Mostrava “milimetricamente” todos os acidentes geográficos do país. Esse mapa fora mapa cedido pela Força Aérea americana, assim nos informou Panero. Eu jamais vira tal coisa, e me assombrei com ela. Sem dúvida tal mapa já está totalmente ultrapassado, com todos os recursos de imagem de satélite disponíveis hoje em dia.

Panero estava zangadíssimo com a reação da imprensa brasileira ao seu plano. Afirmou que o mesmo fora solicitado pela própria embaixada do Brasil, em Washington, que pedira a Herman Khan, fundador e presidente do Hudson Institute, um plano para o desenvolvimento do Amazonas. No entanto, em vista da reação antagônica da imprensa brasileira, o embaixador Roberto Campos “se amedrontara” - palavras de Panero - e ficara bem caladinho, tendo o Hudson Institute e Panero assumido a paternidade da criança. O embaixador Roberto Campos vinha sendo massacrado pela imprensa brasileira, que o apelidava de “Bobby Fields”, por sua posição amigável aos Estados Unidos.

Robert Panero então nos explicou que seu pai fora engenheiro “barragista”, e que ele crescera num ambiente de construção de barragens. Ficava patente a razão da sua tendência de escolher barragens, como solução para todos os problemas dos rios. Mais ainda, nos informou que não era engenheiro registrado, pois não terminara o curso de engenharia.

Ficou também patente que Panero via a América do Sul como um só país, sem distinguir nacionalidades distintas, rivalidades regionais, ou planos individuais de cada país para a utilização de seus próprios recursos. Os lagos amazônicos propostos, como nos foram explicados por Panero, seriam de grande benefício para a região andina, tão pródiga em minerais, e especialmente o Peru.

Esses recursos minerais andinos seriam transportados por essa via hídrica, em direção à Colômbia, e de lá para a Europa e Estados Unidos. O grande planejador nos informou que sua mulher era colombiana, e que a mesma estava “muito feliz” com o plano criado, pois o mesmo beneficiaria enormemente a Colômbia!

Deixamos de perguntar: “E o Brasil? Onde fica nisso?” Ora o Brasil! O Brasil deveria ser pródigo, e doar seu grande rio e território amazônico para o bem comum, assim parecia dizer Panero. Se não falava isso, sem dúvida alguma pensava dessa maneira. Mais ainda, esse plano não tomava conhecimento dos problemas do meio ambiente, dos quais até então pouco se falava no mundo.

Outrossim, não tomava conhecimento das centenas de vilas, bem como das pequenas e grandes cidades amazônicas que seriam inundadas - inclusive Santarém, e possivelmente Manaus. A população que teria de ser removida, daquela área dos sete grandes lagos propostos, foi depois calculada em 750 mil pessoas, cálculo esse muito aquém da realidade.

Para onde iria a população ribeirinha, deslocada pelos lagos? Quem pagaria pelos gastos de compensação das propriedades inundadas? E a destruição da flora e fauna do Amazonas, grande parte dela ainda ser explorada e conhecida, naquele momento? E os índios arredios, e os aculturados, que seria deles? Ficou patente, pelo menos para mim, que Robert Panero era um planejador inconsequente.

Tempos mais tarde, Robert Panero tendo deixado o Hudson Institute - sob que circunstância não se sabe - criou sua própria firma de planejamento. Entre seus novos projetos, houve um, para a cidade de Nova Iorque, que predicava a destruição do Central Park, a belíssima e única área verde de Manhattan. Propôs que se construíssem ali edifícios de apartamentos de alto luxo. Com os lucros dos mesmos, a região do gueto negro do Harlem seria derrubada; assim, novos e modernos edifícios seriam construídos para aquela população destituída. Esse plano, evidentemente, não foi aceito pela cidade de Nova Iorque.

Na Europa, Robert Panero formulou várias propostas, inclusive a criação de ilhas artificiais entre a Inglaterra e os Países Baixos, sobre as quais seriam construídas pontes, criando uma rodovia de comunicação entre a Inglaterra e o continente. Enfim, seus planos mirabolantes foram muitos, dos quais poucos foram aproveitados, se é algum deles de fato chegou a ser adotado. Basta digitar “Robert Panero, Hudson Institute”, no Google, para encontrar a história dos lagos amazônicos, e toda uma listagem dos planos mirabolantes desse senhor.

Enfim: ao contrário do que se argumentava no Brazil - e ainda se fala nisso, em certos lugares - o plano dos “Grandes Lagos Amazônicos”, na minha opinião, não foi um complô da CIA, para destruir o Amazonas e a economia do Brasil. Foi proposta de um planejador desvairado, funcionário do Hudson Institute, que a pedido do embaixador brasileiro em Washington criara esse plano para o “desenvolvimento da Amazônia”.

Sem dúvida, longe estaria o embaixador brasileiro de aprovar tal plano, nem mesmo saberia ele que seu pedido de auxílio, endereçado ao grande e prestigioso Hudson Institute, um dos primeiros “think tanks” daquela época, resultaria em um plano tão louco, tão desvairado, e tão contra os interesses do próprio Brasil.

Jornal Pessoal / Luis Nassif Online

https://jornalggn.com.br/brasil/a-cia-e-os-lagos-artificiais-na-amazonia/

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