sábado, 29 de setembro de 2012

“O Direito do Brasil” área de Roraima A aventura da descoberta e ocupação do Vale do Rio Branco

Serra do Sol e Raposa
Resultado de imagem para serra do sol
José Theodoro Mascarenhas Menck
Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília - UnB; mestre em História Social pela Universidade de Brasília – UnB; pósgraduação em Direito Romano pela Primeira Universidade de Roma – La Sapienza. Consultor legislativo da Câmara dos Deputados, da área I - Direito constitucional, eleitoral, municipal, administrativo, processo legislativo e Poder Judiciário. 133
Ocupação territorial  de Roraima

Resumo
O presente artigo, todo ele baseado em documentos reunidos por Joaquim Nabuco quando da arbitragem da Questão do Rio Pirara, pelo Rei da Itália, em 1904, procura descrever a descoberta e posse do território que hoje compõe o Estado de Roraima, especificamente onde hoje se localizam
as reservas indígenas Serra do Sol e Raposa. O escopo do trabalho é afastar a falsa afirmação, hoje corrente, de que o território foi incorporado ao território nacional por livre opção dos nativos, os índios da etnia macuxi.
Palavras-Chave
Resumé Mots clefs

Roraima, Reserves Indigènes Serra do Sol et Raposa. Découverte et colonisation. Joaquim Nabuso. Fleuve Negro, Fleuve Branco, Fleuve Pirara, Fleuve Tacutu et Fleuve Mau. Litige de Frontière entre le Brésil et la Guyane Anglaise.
Arbitrage Roi d’Italie.
Roraima. Reservas Serra do Sol e Raposa. Descoberta e colonização. Joaquim Nabuco. Rio Negro, Rio Branco, Rio Pirara, Rio Tacutu e Rio Mau. Litígio de Fronteira Brasil Guiana Inglesa. Arbitragem Rei da Itália. L’article ici présent, a tout été basé sur des documents redigés par Joaquim Nabuco au moment où, de l’arbitrage de la question du fleuve Pirara, par le roi d’Italie, en 1904, cherche décrire la découverte et possession du territoire qu’aujourd’hui composent l’Etat de Roraima, especifiquement
ou en ce moment, se trouvent les reserves indigénes Serra do Sol e Raposa. Le but du travail est de renvoyer la fausse afirmation, aujourd’hui très connue, que ce territoire fut incorporé au Brésil par l’option des natifs, les indiens de l’etnie macuxi. 134

1. Introdução
A grande e acre controvérsia que, nos últimos tempos, tem invadido nossos noticiários e que diz respeito à demarcação das duas reservas indígenas, Serra do Sol e Raposa, principalmente em razão da resistência dos nãoíndios de deixarem o local, tem levantado muitas dúvidas sobre como se processou a ocupação daquelas terras e, por conseguinte, como passaram à soberania do Estado brasileiro. Curiosamente, a história daquelas longínquas terras, ou mais especificamente, todos os documentos referentes à sua ocupação, foram cuidadosamente coligidos, estudados e apresentados por Joaquim Nabuco, em três memórias sucessivas, que se estenderam em 18 volumes, ao Rei da Itália, quando da arbitragem territorial a que o Brasil se submeteu em 1904 para definir suas fronteiras com a então Guiana Inglesa.
Esses estudos de Joaquim Nabuco têm sido, vez por outra, abordados pela imprensa, porém de forma muito superficial, sempre para justificar uma ou outra posição tomada na contenda. Neste artigo procuraremos apresentar de forma sistemática toda a argumentação desenvolvida polo advogado brasileiro na “Questão do Rio Pirara” - nome pela qual o litígio fronteiriço do Brasil com a Inglaterra ficou conhecido nos anais da história diplomática brasileira. Antes, porém, de iniciarmos a exposição dos argumentos levantados por Joaquim Nabuco, devemos ter em mente que se tratou de uma contenda jurídica, em que as duas partes apresentaram suas teses e levantaram objeções às alegações do ex adversus. Por razão de metodologia, não apresentaremos nem a versão inglesa da ocupação da área, nem as críticas inglesas aos “títulos brasileiros” - como foram denominados, por Joaquim Nabuco, seus argumentos. Também é importante ressaltar que a argumentação de Joaquim Nabuco foi inteiramente desenvolvida já na Primeira Memória que apresentou ao rei/árbitro, tendo reservado à Segunda Memória criticar a memória inglesa e à terceira, rebater as críticas que os ingleses fizeram à argumentação brasileira. Destarte, pode-se apresentar inteiramente a história da conquista do vale do Rio Branco lendo-se apenas a Primeira Memória Brasileira, a que Joaquim Nabuco denominou

“O Direito do Brasil”.
II – A aventura da descoberta e ocupação do Vale do Rio Branco
De acordo com as memórias brasileiras e os numerosos documentos que a corroboram, a colonização portuguesa da região do Rio Negro teve início em pleno período da União Ibérica, mais especificamente em 1639, quando Pedro 136 Cadernos ASLEGIS | 34 • maio/agosto • 2008 Teixeira, depois de tê-los explorado, tomou posse dos rios Amazonas e Negro em nome da Coroa de Portugal. Na mesma época, descobriu o Rio Branco. Pouco depois, missionários portugueses, na maioria da Ordem dos Jesuítas, teriam subido o Rio Negro, superando a desembocadura do Rio Branco, “erguendo cruzes por toda parte em que penetravam”. Não tardaram a vir juntar-se às missões verdadeiras expedições militares, chamadas de “expedições de resgate”, compostas por tropas e auxiliares indígenas sob as ordens de capitães, acompanhados por comissários e religiosos, cujo fim era “resgatar” índios que teriam sido escravizados por outras tribos, após guerras tribais. O “resgate” se daria mediante compra ou troca dos vencidos que haviam sido “capturados”. As expedições levariam os ex-cativos, agora “libertados”, para os vilarejos portugueses situados nas margens do Amazonas onde os índios ressarciriam as despesas das expedições com seu trabalho manual. Em 1695, vilarejos eram criados no próprio Rio Negro, estabelecimentos de índios catequizados ali existiam em caráter permanente e um forte português fora construído na desembocadura desse rio. Provavelmente, religiosos, bem como tropas de resgate, deveriam, já naquela época, ter explorado o Rio Branco. Entretanto, só existem provas documentais da ocupação do Rio Branco por Portugal para os primeiros anos do século XVIII. A partir de então, as “justificações” são abundantes.  Em seguida, em 1700, e durante os anos seguintes, o capitão Francisco Ferreira, residente em Caburiz, logo na foz do Rio Branco, ocupa-se em fazer numerosas viagens por esse rio. Percorre-o por inteiro, explorando também dois de seus afluentes, o Uraricoera e o Tacutu. Alcança as nascentes do Tacutu, e passa pelo lago Amucu. Por volta de 1720, o frade carmelita, Jeronymo Coelho, mantém, através do Tacutu, um comércio assíduo com os holandeses. Enfim, entre 1718 e 1721, tem vez uma expedição de caráter oficial: o capitão do Forte do Rio Negro, Diego Rodrigues Pereira, recebe do governador do Maranhão, Bernardo Pereira de Berredo, a missão de ir ao interior, para recrutar nativos para formar a guarnição do forte. Cobre as entradas e saídas do Rio Branco, de onde traz duzentos e doze índios. 2

1 Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio, “Relação Geographico-Histórica do Rio Branco da AmericaPortuguesa”, in Primeira Memória Brasileira, 1903 [1777], anexo 2 - Documentos de Origem Portuguesa– 2a série, p. 5 e segs.; e Primeira Memória Brasileira, p. 125 e segs.
2 Primeira Memória Brasileira, p. 12S, notas 80 e 129; e Officio do Governador do Maranhão BernardoPereira de Berredo ao Governo de Lisboa, propondo a mudança da Casa Forte do Rio Negro para o furo do Javaperi, com o fim de impedir o commercio dos Holandezes com os Índios. Parecer favorável do Conselho Ultramarino. Resolução Régia, 8 de julho de 1719, in Primeira MemóriaBrasileira, anexo 1, 1a série – Documentos de Origem Portuguesa. Doc. no 25, p. 30.


É assim então que, no início do século XVIII, não somente o Rio Branco, em sua boca e no seu curso, era visitado pelos portugueses, o que, segundo o direito das gentes, proporcionava a posse e domínio de seus afluentes, como também permitia a exploração de parte desse mesmo território. Os portugueses fizeram ainda mais: eles procuraram consolidar a influência que tinham adquirido. As autoridades portuguesas ficam sabendo que, nos arredores do Rio Branco, holandeses procuram negociar com os indígenas, e logo se põem a refletir sobre os meios de impedir semelhante comércio. Em 8 de julho de 1719, uma ordem real, por proposta do governador Bernardo Pereira Berredo, decide fortificar “o furo do Javapery” – bifurcação do rio – , a vinte dias de viagem do rio dos holandeses”, que as memórias brasileiras identificam como Rio Essequibo (hoje situado no coração da Guiana Inglesa); e, em 10 de outubro de 1720, outra resolução ordena preparar um mapa de todos os rios da região com “a localização de cada um deles e uma nota sobre todos os produtos que deles se podem extrair”. Por outro lado, há também a preocupação em aumentar as tropas necessárias para a guarda das fortificações do Cabo Norte, do Rio Branco e do Rio Napos (Napo), que devem ser construídas, e em fazer guerra contra os selvagens. Esse é o assunto de uma consulta e de uma ordem real, datadas de 2 de dezembro de 1722 e de 17 de fevereiro de 1724. 3 Durante esse tempo, as expedições de resgate se sucediam, subindo cada vez mais o Rio Branco. Podem ser lembradas as expedições de Cristóvão Ayres Botelho, de 1736 4, a de Lourenço Belforte e de Francisco Xavier de Andrade de 1738 e 1739 5, e a de José Miguel Ayres em 1748 6. Foi esta a última das tropas
de resgate. Pouco depois, em 1755, foi promulgada uma lei proclamando a liberdade dos índios e abolindo definitivamente as tropas de resgate. 7
A via dos principais afluentes do Rio Branco estava, pois, aberta, desde então.
Apressaram-se para segui-la.Não era, pois, somente para arregimentar escravos que os portugueses haviam explorado o Rio Branco e seus afluentes; havia também interesse na comercialização das drogas do sertão, que abundavam por aquelas regiões. Conseqüentemente, o desaparecimento das tropas de resgate não pôs fim às explorações lusitanas do vale do Rio Branco. Em 1766, por ordem do governador Joaquim Tinoco Valente, foi realizada sob o comando do alferes José Agostinho Diniz importante expedição militar, que subiu o Rio Branco e o Uraricoera e levou suas embarcações até o Mahu e o Uorora. 9 O resultado dessa expedição é claramente indicado em um despacho do diretor holandês do Essequibo, datado de 19 de novembro de 1766, que mostra ainda o controle exercido pelos portugueses na região. 10

3 Consulta sobre a carta de João da Maya da Gama pedindo 200 soldados por não poder sem elles assistir às fortificações do Cabo do Norte, do Rio Branco e do Napós que deviam mandar fazer pelas razões que expoz, 2 de dezembro de 1722; e Ordem Régia determinando ao Governador do Maranhão, João da Maya da Gama, que mande ao Rio Negro tropas para combater os Índios inimigos, evitando assim que os demais se animem e attráiam os Hollandezes para dentro dos dominios portuguezes, 17 de fevereiro de 1724, in Primeira Memória Brasileira, anexo 1, 1ª série – Documentos deorigem portuguesa, docs. nos 28 e 29, pp. 33 e 34, respectivamente.
4 Primeira Memória Brasileira, p. 129; e Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio,
5 Idem; e Depoimento de Francisco Xavier Mendes de Moraes, na assentada de 19 de abril de 1775; e de Constantino Dutra Rutter, na assentada de 20 de abril de 1775, nos Autos de Justificação da posse e domínio do Rio Branco pelos Portugueses, procedida perante a Ouvidoria Geral do Rio Negro, por ordem do Governador da Capitania, Joaquim Tinoco Valente, abril e maio de 1775, in Primeira Memória Brasileira, anexo I, 1ª série – Documentos de Origem Portuguesa, doc. nº 53-D, pp. 104 e 109.
6 Padre José de Moraes, História da Companhia de Jesus, e Alexandre Rodrigues Ferreira, Participação Geral do Rio Negro, apud Primeira Memória Brasileira, p. 129; e Francisco Xavier Ribeirode Sampaio, “Relação Geographico-Histórica do Rio Branco da América Portuguesa”, in Primeira Memória Brasileira, 1903 [1777], anexo 2 – Documento de Origem Portuguesa – 2ª série, p. 11.
7 Primeira Memória Brasileira, p. 130; e Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio, idem.
8 Testemunho do Capitão Francisco Xavier de Andrade na assentada de 20 de abril de 1775 nos Autos de Justificação da posse e domínio do Rio Branco pelos portugueses, procedida perante a Ouvidoria Geral do Rio Negro, por ordem do Governador da Capitania, Joaquim Tinoco Valente, abril e maio de 1775, in Primeira Memória Brasileira, 1903, anexo I – Documentos de Origem Portuguesa – 1ª série, doc. 53-D, p. 109.
 “Relação Geographico-Histórica do Rio Branco da América Portuguesa”, in Primeira Memória Brasileira, 1903 [1777],anexo 2 – Documentos de Origem Portuguesa, 2a série, p. 10. “Continuando depois disso [da expedição de José Miguel Ayres], outras entradas não só pelo Uraricoéra, mas também pelo Tacutu e outros rios que neste dezaguão de sorte que o mesmo Tacutu foi também igualmente sempre senhoreado pela Coroa de Portugal sem contradição alguma assim como todo o Rio Branco com contínuos Autos possessórios desde tempo immemorial como elle [capitão Francisco Xavier de Andrade] testemunha sempre observou, e ouviu dizer aos antigos habitadores deste rio. 8

Desde 1719, o governador Bernardo Pereira Berredo havia manifestado a idéia de fortificar a desembocadura do Rio Branco. Essa idéia, porém, não foi posta em prática. As expedições de resgate pareceram suficientes para afastar da região alguns comerciantes holandeses que por lá se aventuravam. Quando, após a extinção dessas expedições, os holandeses pareciam retomar a exploração da área, voltou-se ao alvitre de se levantar um forte na fronteira do Rio Branco. Aos 14 de novembro de 1752, o rei, Dom José, por meio de Carta Régia ao governador e capitão general do Pará, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, declarou que: Ao mesmo tempo, o Conselho de Ultramar, em requerimento endereçado à autoridade real, sugeria que, além da construção do forte, cuja localização deveria
ficar a critério do governador, “tão bem poderá não ser inútil a diligencia que V. Maged mandar fazer com o ministro da Olanda para que cessem as entradas dos Vassalos daqueila Republica nos reaes dominios de V. Maged”12. Desse modo, logo que negociantes holandeses penetravam na bacia do Rio Branco, os portugueses reagiam juridicamente. Isso, aliás, foi suficiente para por fim às incursões holandesas. Encontra-se em uma ordenação real ao governador do Maranhão, datada de 27 de junho de 1765, a seguinte informação: Era, então, dos espanhóis que era preciso se defender. Conseqüentemente, são os afluentes do Rio Branco, do lado ocidental, que a ordenação de 1765 determinava que fossem vigiados “trazendo sempre ne’lles duas ou tres canôas bem guarnecidas”.

Sendo-me presente que, pelo Essequebe tem passado alguns holandezes das terras de Surinam ao Rio Branco que pertence aos meus Domínios, e cometido naquelas partes alguns distúrbios.
Fui servido ordenar por resolução de 23 de Outubro deste ano, tomada em Consulta do meu Conselho Ultramarino que sem dilação alguma se edifique huma Fortaleza nas margens do Rio Branco.” 11
9 Primeira Memória Brasileira, pp. 130 e segs.; e Francisco Xavier Ribeiro de Santana, “Redação Geographico-Histórica do Rio Branco da América Portuguesa”, in Primeira Memória Brasileira,1903 [1777], anexo 2 – Documentos de Origem Portuguesa – 2ª série, p. 11.
10 “O Posthouder de Arinda informa que acima do posto, no riacho Maho, foram achados um frade e outra pessoa, um português, que estão ali para formar um estabelecimento entre os Magnouws e Supenays (dos quais algumas vezes se diz que têm o rosto no peito e são antropófagos); que verdade há nisso, não posso saber”. Logo além, acrescenta: “O Posthouder diz, contudo, que segundo a informação de um caraíba, as plantações de farinha feitas por eles devem ter pelo menos um ano; que na saída do Parima há seis grandes embarcações dos portugueses, compridas como barcas, e que a genteali fora com pequenas embarcações até a ponta do riacho Aurora e Maho e já tinham expelido dali os caraíbas e outras nações.” Appendix to the case of the Government of Her Britannic Majesty, v. III, p. 137, apud Primeira Memória Brasileira, p. 130 e 131.
11 Primeira Memória Brasileira, p. 138; e Ordem Régia Expedida ao Governador do Maranhão Francisco Xavier de Mendonça Furtado para edificar sem dilação alguma uma fortaleza nas margens do Rio Branco, 14 de fevereiro de 1752, in Primeira Memória Brasileira, 1903, anexo I – Documentode Origem Portuguesa – 1ª série, doc. 42, p. 59.
“Quanto aos outro rios, que dezaguam pela parte esquerda [do Rio Branco] ou da parte de Leste, não podem dar cuidado algum, porque os Holandezes que algumas vezes desceram porelles, se tem abstido ha muitos annos daquella navegação.”13 

Em 1775, dez anos após a ordenação acima lembrada, a pretexto de procurar o El-Dorado, “uma região pavimentada de ouro no interior da Guiana”, os espanhóis do Orenoco se puseram a descer o Uraricoera em direção ao Rio Branco, e logo um de seus destacamentos, comandado pelo cadete dom Antonio Lopez, penetrou no Tacutu, subiu o Mahu e alcançou o Pirara, explorando todos os seus arredores. Com a notícia dessa expedição, prevenido que fora pelo guarda do forte holandês de Arinda, Gervásio Leclerc, que desertara de seu posto, o governador Joaquim Tinoco Valente fez partir imediatamente tropas contra ela, sob as ordens do capitão Felippe Sturm. 14

12 Primeira Memória Brasileira, p. 139; e Parecer do Conselho Ultramarino sobre entradas de Hollandezes no sertão do Rio Negro com o fim de escravisar Indios, 16 de abril de 1753, in Primeira Memória Brasileira, 1903, anexo I – Documentos de Origem Portuguesa – 1ª série, doc. 42, p. 5.
13 Primeira Memória Brasileira, pp. 150 e 151; e Ordem Régia a Fernando da Costa de Attaíde Teive, approvando a resposta dada por Manoel Bernardo de Mello e Castro a D. Joseph de Yturriaga. Manda que seja vigiado com grande cuidado o Rio Branco, trazendo sempre n’elle duas ou tres canôas bem guarnecidas, e apprehendidas as canôas que se acharem explorando os Reaes Dominios e as pessôas n’ellas encontradas, 27 de junho de 1765, in Primeira Memória Brasileira, 1903, anexo I – Documentos de Origem Portuguesa – 1ª série, doc. 52, p. 93.
14 Primeira Memória Brasileira, pp. 151 e ss., e 27 documentos referentes à Expulsão dos Hespanhoes do Rio Branco, in Primeira Memória Brasileira, 1903, anexo I – Documentos de Origem Portuguesa – 1ª série, docs. 53-A a 53-Z, pp. 95 a 150; dos quais o principal é o Do Ouvidor Ribeiro de Sampaio a João Pereira Caldas dando conta da chegada à Villa de Barcellos do desertor Gervásio Leclerc e relatando as informações que elle deu sobre os hespanhoes noRio Branco, 27 de março de 1775, in Primeira Memória Brasileira, 1903, anexo I - Documentos de Origem Portuguesa – 1ª série, doc. 53-A, p. 95; e Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio, “Relação Geographico-Historica do Rio Branco da América Portuguesa”, in Primeira Memória Brasileira, 1903 [1777], anexo 2 – Documentos de Origem Portuguesa – 2ª série, caps. IV e V, p. 14 e segs.

Pouco mais tarde, respondendo as Notas de Protesto pela captura das tropas espanholas, que lhe enviara o governador da Guiana espanhola, dom Manuel Centurion, bem como a nota de seu enviado ao Rio Negro, capitão Antonio Barreto15, governador do Rio Negro declarou ao governador espanhol que:
“Sendo certo obtê-la [a posse da região visitada pelas tropas espanholas, o Mahu, o Tacutu e o Pirara] El Rey, meu Senhor ha mais de cincoenta e dois annos; o que bem mostrarei por documentos judiciaes, e certificarei não só com as pessoas fidedignas, que passaram áqueiles rios debaixo das Bandeiras Reaes de Portugal nos annos de 1725, 1736, 1740 e 1744; como foram (...)16
E ao capitão Antonio Barreto, enviado de Don Manuel Centurion, Joaquim Tinoco Valente havia acrescentado: “Quanto ao segundo, digo que o pretexto allegado sobre se não terem feito povoações naqueles districtos, he de nenhum vigor, sendo certo, que o augmentar cada hum a sua fazenda
fica ao seu arbítrio; por que como sua pode deliberar, como e quando lhe parecer ou lhe fizer conta, sem que de nenhuma forma seja obrigado a satisfazer aos vezinhos.”17

15 Carta de Dom Manuel Centurion ao Governador do Rio Negro, protestando contra o aprisionamento
da tropa hespanhola e pedindo a restituição do território, de 27 de julho de 1776, e Carta
do Capitão Antonio Barreto ao Governador do Rio Negro, allegando ser hespanhol o território onde
se achava a tropa apriosionada e pedindo a entrega do mesmo, 8 de outubro de 1776, in Primeira
Memória brasileira, 1903, anexo I – Documentos de Origem Portuguesa – 1ª série, docs. 53-U e
53-V, p. 139 e 141.
16 Neste ponto Joaquim Tinoco Valente cita, nesta ordem, os nomes de: capitão Francisco Xavier
Mendes de Moraes; capitão Belchior Mendes; Christovão Alvares Botelho; capitão Francisco Xavier
de Andrade; Lourenço Belforte; Jozé Miguel Ayres; Sebastião Valente; frei carmelita Jeronymo Coelho;
índio Paulo; principal Theodozio José; capitão Francisco Ferreira; Domingos Lopes; Francisco
Rodrigues; Manoel Pires; principal Ajurabana; sargento-mór Miguel Indio; abalizado Arubaiana;
principal Faustino Cabral; principal Camandri e principal Assenço. Resposta do Governador do Rio
Negro a Don Manuel Centurio, 13 de outubro de 1776, in Primeira Memória Brasileira, idem, doc.
53-Y, p. 146.
17 Resposta do Governador do Rio Negro ao Capitão Antonio Barreto, 2 de outubro de 1776, in
Primeira Memória Brasileira, idem, doc. 53-X, p. 144.
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Em 1o de outubro de 1777 foi assinado o Tratado de Santo Ildefonso entre Espanha e Portugal, cujo artigo 1218 restabeleceu, nesse ponto, o tratado de Madri, de 13 de janeiro de 175019, que havia sido anulado, desde 12 de fevereiro de 1761, pelo Tratado de El Pardo20. O Tratado de Santo Ildefonso, de 1777, fixava a fronteira entre as duas nações, do lado da Guiana, pelo divisor de águas existente entre os rios Amazonas e Orenoco. Ou seja, aos olhos da Espanha, toda a bacia do Amazonas e, por conseqüência, o território contestado, que por ela é banhado, pertencia à Coroa portuguesa. O conflito entre Espanha e Portugal, cujo término pode ser posto em 1777, foi invocado pelo Brasil como prova a mais de que a Holanda não tinha nenhum título - mas também nenhuma intenção -, sobre o território do Rio Pirara, objeto da arbitragem do rei da Itália, origem dos estudos de Joaquim Nabuco.Se os holandeses tivessem aspirado à região do Tacutu e do Pirara, teriam ficado inativos e indiferentes aos movimentos dos espanhóis, assim como à celebração dos tratados de 1750 e de 1777? Entretanto, foi uma atitude de absoluta inação que eles, então, mantiveram. Conseqüência direta da excursão espanhola na área foi a construção de um forte no alto do Rio Branco, na junção dos rios Uraricoera e Tacutu. Era o antigo projeto, reiteradamente analisado, que desta vez era executado. Em 17 de maio de 1775, a ordem para construir o forte fora dada por João Pereira Caldas, governador e capitão-geral do Pará, ao governador do Rio Negro21 e, alguns meses mais tarde, parte dos paredões da fortaleza já havia sido erguida.22 

18 “Quando apartando-se dos rios haja de continuar a fronteira pelos montes que medião entre o
Orenoco e o Marañon ou Amazonas, endireitando também a linha da raia, quando poder ser, para a
parte do Norte, sem reparar no pouco mais ou menos de terreno que fique a uma ou a outra Coroa,
contanto que se logrem os fins já explicados, até concluir a dita linha onde findam os domínios das
duas Monarchías.”, Artigo XII, fine do “Tratado Preliminar dc Limites da América meridional entre
S M.F. a senhora D. Maria I, Rainha de Portugal, e S.M.C. o senhor D. Carlos III, Rei de Hespanha,
assignado em San Ildefonso, no 1o de Outubro de 1777, e ratificado por S.M.F., em Lisboa, no dia
l0, e por S.M.C., em San Lorenzo El Real, no dia 11 do mesmo mez e anno”, in José Carlos de Macedo
Soares, Fronteiras do Brasil no regime colonial, Rio de Janeiro: José Olympio, 1939, p. 178.
19 “Até encontrar o alto da Cordilheira de Montes, que medião entre o Orinoco e o Amazonas ou
Marañon; e proseguirá pelo cume destes Montes para o Oriente, até onde se estender o Domínio
de huma e outra Monarchia.” Artigo IX do “Tratado de limite das conquistas entre os muito altos e
poderosos senhores Dom João V, Rey de Portugal, e D. Fernando VI, Rey de Hespanha, assignado
em 13 de Janeiro de 1750, em Madri, e ratificado em Lisboa a 26 do dito mez, e em Madri a 8 de
Fevereiro do mesmo anno”, in José Carlos de Macedo Soares, idem, p. 149.
20 No tratado de El Pardo, assinado entre Dom José I, de Portugal e Dom Carlos III, de Espanha,
aos 2 de fevereiro de 1761, se lê: ‘O sobredito Tratado de limites da Asia e da América, celebrado em
Madri a treze de janeiro de mil setecentos e cinqüenta, com todos os outros tratados e convenções
que em conseqüência dele se foram celebrando depois, para regular as instruções dos respectivos
comissários, que até agora se empregaram nas demarcações dos referidos limites, e tudo o que em
virtude delas foi autuado, se estipula agora que fiquem e se dão, em virtude do presente Tratado, por
cancelados, cassados e anulados, como se nunca houvessem existido, nem houvessem sido executados;
de sorte que todas as coisas pertencentes aos limites da América e da Asia se restituam aos termos
dos Tratados, Pactos e Convenções que haviam sido celebrados entre as duas Coroas contratantes,
antes do referido ano de mil setecentos e cinqüenta: de forma que só estes Tratados, Pactos e Convenções,
celebrados antes de mil setecentos e cinqüenta, ficam em diante em sua força e vigor.” In M.
Linhares de Lacerda, Tratado das Terras do Brasil, Rio de Janeiro: Alba, 1960, p. 110.
Artigos & Ensaios 143

O forte, que recebeu o nome de São Joaquim, foi construído no ponto em que o Tacutu deságua no Rio Branco. Assim, os portugueses tinham, a partir de então, sob sua soberania efetiva e permanente, a desembocadura desse rio que, por si mesmo e por seus dois afluentes, o Cotingo e o Mahu, dominava todo o território habitado pelos índios macuxis. Deveriam, assim, ser considerados donos desse território. Os portugueses fundaram, em volta do forte, vários centros habitacionais23 e, para povoá-los, foram buscar indígenas até mesmo além da linha oriental do território contestado, estendendo àquelas paragens sua autoridade.24 Com a fuga dos indígenas, ocorrida em 1780, foram então, durante anos, freqüentemente realizadas, por destacamentos do forte, batidas à procura dos fugitivos, e essas aconteceram nos campos e nas montanhas do território contestado. O soldado Duarte José Miguéis adentrou o Mahu até o Rio Siparuni e foi ter com os atorais do Guidaru. Em 1783, o monarca lusitano concedeu perdão aos indígenas revoltados e fugidos.

21 A Capitania de São José do Rio Negro era subordinada à do Grão-Pará.
22 Primeira Memória Brasileira, p. 180; De João Caldas ao Governador do Rio Negro approvando
a resolução deste de expulsar os Hespanhoes, determinando várias providências para esse fim, e
ordenando a construção de uma fortaleza provisória para a defeza do Rio Branco, 17 de maio de
1775; e Officio do Governador do Maranhão, João Pereira Caldas, a Martinho de Mello e Castro,.
communicando que a fortaleza no Rio Branco vae bastante adiantada, tendo descido para as vizinhanças
sete aldeiamentos de índios de fórma a construir uma barreira aos intentos dos Hespanhóes
e Hollandezes, 12 de junho de 1777, in Primeira Memória BrasiIeira, 1903, anexo 1 - Documentos
de Origem Portuguesa — 1a série, docs. 53-E e 54, p. 113 e 151, respectivamente
23 O ouvidor Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio se refere apenas a cinco aldeamentos indígenas:
N. Sª do Carmo, Santa Izabel, Santa Bárbara, no Rio Branco, São Fillippe no Tacutu, e N. Sª da
Conceição, no Uraricoera. Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio, “Relação Geographico-Historica
do Rio Branco da America Portuguesa”, in Primeira Memória Brasileira, 1903 [1777}, anexo 2
— Documentos de Origem Portuguesa — 2ª série, cap. VIII, p. 43. Existem, outrossim, referências
em Alexandre Rodrigues Ferreira (Diário do Rio Branco, São Paulo: IJSP-NUII Núcleo de História
Indígena e do Indigenismo/FAPESP -Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, 1994
[l786}, p88) a um sexto aldeamento, que se localizaria no Uraricoera: Santo Antonio das Almas, cuja
notícia o advogado brasileiro erroneamente atribui ao citado ouvidor. Primeira Memória Brasileira,
p. 185. nota 100. Note-se que o texto de Joaquim Nabuco, nesse trecho, abunda em referências tanto
a Alexandre Ferreira quanto a Ribeiro de Sampaio.
24 Primeira Memória Brasileira, p. 187 e segs: Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio, “Relação Geographico-
Histórica do Rio Branco da America Portuguesa”, in Primeira Memória Brasileira, 1903 [1777],
anexo 2- Documentos de Origem Portuguesa — 2a série, cap. IX, p. 44.
 
Para informá-los dessa demência que lhes fora concedida, enviam-se por toda parte emissários, que também foram além do contestado.25 Outro título invocado para provar a posse portuguesa do território em litígio foi a introdução de gado nas planícies do Rio Branco e seus afluentes.26 A primeira idéia de fazer essa introdução data de 1775 e veio do ouvidor Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio, mas só se tornou fato em 1786, pela ação do coronel Manoel da Gama Lobo de Almada, sob instruções do governador e capitão-general João Pereira Caldas.27 Começou-se por distribuir as cabeças de gado nas aldeias de determinados índios; estes, porém, não os mantinham nas circunvizinhanças, deixando-os pastar em campos distantes, até mesmo em terras do território contestado, sem entretanto deixar de vigiá-los. “Todos os dias - escreveu o comandante do forte São Joaquim ao governador Manoel da Gama - são explorados os lugares até onde costuma chegar o gado”28 Em seguida, foram criadas, em torno do forte de São Joaquim, e sob a direção do comandante desse forte, verdadeiras fazendas, cujo gado se espalhava também por toda parte na região das savanas; assim, em 1836, Schomburgk pôde dizer, falando dos grandes rebanhos de gado e de cavalos encontrados nas planícies do Tacutu e do Mahu, que eram, indubitavelmente, de origem portuguesa.29 Não foi apenas por meio de seus destacamentos e de suas fazendas de criação de gado que o Brasil procurou provar que os portugueses mantiveram nos fins do século XVIII, o domínio do território situado entre o Tacutu e o Rupununi. Eles realizaram também, com explorações científicas e administrativas, o estudo de todo o sistema fluvial do Rio Branco e de seus afluentes, observando a etnografia, a flora, a fauna e as possibilidades econômicas de exploração da área.

25 Primeira Memória Brasileira, p. 190; e Alexandre Rodrigues Ferreira, Journal do Rio Branco, in
Segunda Memória Brasileira. 1903 [1786], anexo 3, Documentos de Origem Portuguesa. doc. 16,
p. 16 e segs. Em português o Diário do Rio Branco somente foi publicado por Marta Rosa Amoroso
e Nádia Farage: Relatos da Fronteira Amazônica no Século XVIII, São Paulo: USP-NHII Núcleo
lndígena e do Indigenismo/FAPESP — Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo,
1994.
26 Primeira Memória Brasileira, p. 254 e segs.
27 De Manoel da Gama Lobo de Almada, nomeado Governador da Capitania de São José do Rio
Negro, communicando a João Pereira Caldas que vai estabelecer a criação de gado no Rio Negro.
18 de maio de 1787, in Primeira Memória Brasileira, 1903, anexo 1 — Documentos de Origem
Portuguesa — 1ª série, doc. 78, p. 234.
28 Ofício de 17 de fevereiro de 1790, Primeira Memória Brasileira, p. 257. Note-se que naquele ano,
os macuxis tinham se sublevado novamente, e o governador Manoel da Gama estava preocupado
com a sorte do rebanho que penosamente introduzira na região, pouco antes. Ao que parece, em suas
revoltas, os índios costumavam “varar de balas” o gado e os cavalos dos portugueses.
29 Primeira Memória Brasileira, p. 260; e Roberto H. Schomburgk, A Description of British Guiana.
Londres: Simpkin, Marshall and Co., 1840, p.l14.
Artigos & Ensaios 145

Cada viagem produzia relatórios o mais das vezes bastante minuciosos e numerosos mapas. Era uma nova afirmação da autoridade portuguesa.30 A primeira dessas expedições foi aquela empreendida em 1781 pelo capitão engenheiro Ricardo Franco de Almeida Serra e pelo geômetra Antonio Pires da Silva Pontes. A ordem para sua realização fora dada em 26 de dezembro de 1780 pelo governador João Pereira Caldas. Eles deviam: “Passando V. Mcês. sem perda de tempo ao sobredito Rio Branco, e subindo-o athé onde for possível, nelle muito efficaz e individualmente averiguem (...) que rios e lagos pela outra  margem oriental do mesmo Rio Branco, nelle dezagoão; aonde são os seus nascimentos, e athé onde se navegão, principalmente o Tacutú, o Maho e o Pirara, que são os que facilitam a referida comunicação com os Hollandezes pelos rios Rupumuni e Essequebe, que para aquella colonia descem; que serranias também ha por aquella parte, e quaes dellas ou que outros alguns sinaes poderão servir de divizão de domínios, com os da dita colonia.”31 Aos 19 de julho de 1781, tendo feito o mapa das terras visitadas durante sua viagem, eles prestaram contas de sua missão ao governador João Pereira Caldas: chegaram á conclusão de que os limites do Brasil são as vertentes, idéia já defendida anteriormente pelo ouvidor Ribeiro de Sampaio - “as cabeceiras dos rios Rupununi e Anaoau, que se diz formão as vertentes, entre os sobreditos Portuguezes e Holandezes dominios” -, sempre frisando: “havendo de attender-se às vertentes, e não à margem occidental no Rio Rupununi para os limites”; e ainda propunham instalar um posto de observação perto das nascentes do Rio Pirara, ou ao menos enviar patrulhas, saindo do forte São Joaquim, às planícies do Rupununi.

30 Primeira Memória Brasileira p. 210 e segs.
31 Primeira Memória Brasileira p. 214 e segs.; Officio de João Pereira CaIdas ao Capitão Engenheiro
Ricardo Franco de Almeida Serra e ao Dr. Mathematico Antonio Pires da Silva Pontes, transmitindo
a ordem da Rainha para se averiguar se para o Rio Branco ou qualquer outro rio existe alguma communicação
dos hollandezes. 26 de dezembro de 1780, in Primeira Memória Brasileira, 1903, anexo
1 — Documentos de Origem Portuguesa — 1a série, doc. 55-A, p.152.
146 Cadernos ASLEGIS | 34 • maio/agosto • 2008
objetivo de vigiar nas fronteiras “as innovaçoens ou pretençoens que houverem da
parte dos colonos de Suriname”.32
Novas expedições logo seguiram à de Ricardo Franco e Silva Pontes.
Em 1786, o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, que acompanhou o
comandante do forte São Joaquim em uma parte de sua viagem, explorou os
rios Branco, Uararicoera, Tacutu, Surumu, Cotingo, Mahu, Pirara e a Serra dos
Cristais, “situados nos domínios de nossa Augusta Majestade Soberana”.33
No ano seguinte, foi a vez do coronel Manoel da Gama Lobo d’Almada -
segundo o juízo de Joaquim Nabuco, “o mais competente chefe de que dispunha
a Metrópole no Pará” 34-, explorar o território contestado. O governador João
Pereira Caldas, segundo ordens de Lisboa, o fez subir o Tacutu até o Sarauru e,
tendo ele percorrido esse rio, atingiu “através de territórios totalmente inundados
e pantanosos”, a via ocidental do “rio de possessão holandesa”, o Rupununi;
em seguida, depois de ter analisado as comunicações do Tacutu e do Saruaru
até o Rupununi, explorou o Surumu (Cotingo) e a serra dos Cristais. Com
seus auxiliares, dentre os quais se destacaram o capitão-engenheiro e doutor
em matemática José Simões de Carvalho, e o sargento-môr engenheiro Eusébio
Antonio de Ribeiros, Manoel da Gama visitou e teria consolidado o domínio
português de toda a região, que seria, no futuro, objeto de litígio entre o Brasil e
a Inglaterra35, e hoje objeto do litígio entre os índios e fazendeiros.
32 Primeira Memória Brasileira, p. 215 e segs., e Carta do Capitão Engenheiro Almeida Serra e do
Dr. Mathematico Antonio Pires da Silva Pontes a João Pereira Caldas, dando conta do cumprimento
das ordens deste último relativas a exploraçôes a fazer nas cabeceiras dos rios Mahú, Tacutu e Pirara,
19 de julho de 1781, in Primeira Memória Brasileira, 1903, anexo 1 - Documentos de Origem Portuguesa
— 1a série, doc. 55-C, p. 154.
33 Alexandre Rodrigues Ferreira, Journal du Rio Branco; e Traité Historique du Rio Branco. in
Segunda Memória Brasileira, 1903 [1786 e 1787}, anexo 3 , Documentos de Origem Portuguesa,
docs. 16 e 17, p. 16 e segs., e 59 e segs., respectivamente. Ver também “Diário” de Agostinho José
do Cabo, que foi ajudante de Alexandre Rodrigues Ferreira, Diário da Viagem do Pará ao Rio Negro
por Agostinho José do Cabo, 19 de setembro de 1 786; Informações de Alexandre Rodrigues Ferreiro
sobre o cumprimento que deu à ordem recebida de João Pereira Caldas para fazer reconhecimento
nas Povoações da parte inferior do Rio Negro e nas de novo estabelecimento no Rio Branco, 10 de
agosto de 1786: e De Martinho de MeIlo e Castro a João Pereira Caldas dando-lhe instruções sobre
a exploração do Rio Branco, 27 de junho de 1786, in Primeira Memória Brasileira, 1903, anexo 1
— Documentos de Origem Portuguesa – 1a série, docs. 76, 75 e 74, pp. 218, 215 e 213, respectivamente.
34 Primeira Memória Brasileira, p. 237.
35 Primeira Memória Brasileira, p. 237 e segs.; e 30 documentos referentes às explorações de Manoel
da Gama Lobo d’Alrnada, in Primeira Memória Brasileira, 1903, anexo 1 - Documentos de Origem
Portuguesa — 1ª série, docs. 78-A a 78-DD, p. 224 a 277, dos quais destaca-se a Descripção relativa
ao Rio Branco e seu Território por Manoel da Gama Lobo d’Almada, ex- Governador do Rio Negro,
1787, in Primeira Memória Brasileira, 1903, anexo 1 — Documentos de Origem Portuguesa
– 1ª série, doc. 78-W, p. 253; e Eusébio Antônio de Ribeiro e Dr. José Simões de Carvalho, “Mapa
geográfico do Rio Branco”.
Artigos & Ensaios 147

Foi ainda uma viagem semelhante que fizeram, em 1798, o portabandeira da Sétima Companhia do Regimento da Cidade do Pará, Francisco José Rodrigues Barata e o soldado Duarte José Miguéis, quando foram de Belém do Pará ao Suriname por terra. Tendo deixado, aos 4 de agosto, o forte de São Joaquim, subiram o Rio Tacutu até o igarapé Sarauru, “já em nosso território”, visitaram os macuxis do Pirara, navegaram pelo Sarauru, ganharam por via terrestre o Rupununi e depois, o Essequibo, descendo esse rio. Só depois de terem passado pelas cachoeiras desse rio é que encontraram, em sua barra, a primeira plantação e o primeiro estabelecimento holandês, então em poder dos ingleses: o posto de Arinda havia, então, naquela época, desaparecido completamente.36 Na volta, para chegar ao forte São Joaquim, Francisco José Rodrigues Barata e Duarte José Miguéis seguiram o curso do Mahu - “nosso Rio Mahu”, como o chamaram.37 O advogado brasileiro no litígio fronteiriço – Joaquim Nabuco – frisou que, em todas estas viagens exploratórias dos portugueses, assim como em suas expedições militares e na instalação de suas fazendas pecuárias, os holandeses não apresentaram a menor oposição. Em 1786, enquanto patrulhas portuguesas avançavam até o Rupununi e além, a Holanda suprimia o posto de Arinda! Não será a melhor prova, indagou o Brasil, de que, para a Holanda, só os portugueses tinham direito ao istmo situado entre o Cotingo, o Tacutu e o Rupununi? Essa seria, aliás – sempre de acordo com a argumentação brasileira –, na época, a opinião geral, proclamou o Brasil, invocando o testemunho do assentimento espanhol (Primeira Memória Brasileira, cap. VII), holandês (caps. VIII, IX e X), e, por fim, do próprio assentimento inglês anterior a 1840 (caps. XI, XII e XIII). O próprio Roberto Schomburgk – o autor intelectual das reivindicações territoriais inglesas – , referindo-se ao Rio Rupununi, chegou a declarar que era normalmente
considerado como a linha fronteiriça entre as possessões inglesas e as possessões portuguesas.38 E, de fato alega o Brasil, a primeira idéia de Schomburgk não o enganara, ao contrário de suas idéias posteriores, pois geógrafos, quer pertençam ao século XVIII ou ao XIX, quer sejam holandeses, ingleses, franceses, espanhóis ou portugueses, eram unânimes em não incluir o território contestado nos limites das possessões da Holanda ou da Inglaterra.

36 O advogado brasileiro – Joaquim Nabuco – lembra a nota de Manoel da Gama Lobo d’Almada,
de 3 de setembro de 1798, segundo a qual, vários meses antes, um chefe índio, Leonardo José, desceu
os rios Tacutu, Pirara, Rupununi e Essequibo, sem encontrar estrangeiros, a não ser um rancho de
cafuzos (mulatos, na linguagem de Nabuco), descendentes de negros e índios, situado na parte inferior
desse último rio. Declaraçâo das notícias da Colonia Hollandeza de Demerara, referidas em 3
de setembro de 1798 pelo indio Leonardo José, principal da nação Oaycás, que foi ao Rio Essequibo
das possessões Hollandezas, 3 de setembro de 1798, in Primeira Memória Brasileira, 1903, anexo
1- Documentos de Origem Portuguesa — 1ª série, doc. 94, p. 292.
37 Primeira Memória Brasileira, p. 262 e segs.; e Parte do Sargento Ignacio Rodrigues sobre a viagem
do Porta Bandeira Barata à Colonia Hollandeza, 3 de setembro de 1798, in Primeira Memória Brasileira,
1903, anexo 1 - Documentos de Origem Portuguesa – 1ª série, doc. 95, p. 293; e Journal du
Voyage fait dans la Colonie Hollandaise de Surinam par Francisco José Rodrigues Barata, in Primeira
Memória Brasileira, 1903 {1799], anexo 4 — Documentos de Origem Portuguesa – 2ª série.
38 Segunda Memória Brasileira, p. 1 e segs.

Ora, nas questões que tocam à determinação das fronteiras de um país, alegou o Brasil, os mapas são, certamente a melhor expressão da opinião de uma época.39 São de um francês, d’ Anvilie, reputado a seu tempo “o primeiro geographo europeu”, e um espanhol, Juan de la Cruz - o único que “competiu” com o primeiro em todo o século XVIII, em 1748 e em 1775, respectivamente -, os primeiros mapas mais detalhados da Guiana. Ora, tanto um quanto outro deixavam de fora do domínio da Holanda um território bem maior do que aquele que foi objeto de litígio:

“A linha d’ Anville, na parte que nos interessa, tal como apparece
na carta de 1748, segue a linha do divortium aquarum entre
o Orenoco por um lado, e o Rio Negro por outro, e a partir do
ponto mais septentrional d’aquella linha de separação das aguas
dirige-se para sudeste até ao cotovello do Rupununi e d’ahi na
mesma direcção até a fronteira da Guyana Franceza.
Duas linhas politicas figuram nas cartas européas d’essa região,
a linha d’ Anville e a linha Juan de la Cruz, sendo que esta estreita
muito mais a Guyana Holandeza, limitando-a pelo Rio
Essequibo. (...) Ambas as linhas figuram nas cartas inglezas
mais notáveis até ao meiado do seculo XIX, e póde-se dizer
que estas não contêm outra.”40

Foi nesses dois trabalhos que se inspirou a unanimidade dos geógrafos da época. O mapa de Juan de la Cruz originou, notadamente, os do espanhol Surville (1778), dos ingleses Faden (1788) e Arrowsmith (1811-1839) e também os de Bonne (1780-1781), Bachienne (1785), Dezauche (1790-1808), Menteile e Chanlaire (1805), de Lapie (1814- 1820-1829), de Brion de la Tour (1816), de Gardner (1820), e de Codazzi (1840).
Mas o mapa de d’Anville fez um sucesso ainda maior. Seu traçado, que assegurava à Guiana Holandesa toda a cobiçada região do Essequibo, sobre a quala Espanha nunca abandonara suas pretensões, foi aceito com entusiasmo pelos holandeses, quando ficou conhecido. Em 9 de setembro de 1758, o comandante do Essequibo, Stormvan’s Gravesande, o recomendava aos diretores da Companhia das Índias41, e todos os cartógrafos dos Países-Baixos o consagraram em seguida: Van Becheyck (1759), Isaac Tirion (1767), Bouchenroeder (1798). Ele foi também aceito, de certo modo, não somente pelos mapas franceses e alemães de Bonne (1771-1785), de Janvier (1784), de Lapie (1812) e de Humboldt (1826), mais ainda por aqueles publicados na Inglaterra por Bolton (1755), Rocque (1762), Sayer (1775), de la Rochette (1776), Kitchin (1778- 1794), DiIly e Robinson (1785), Stackhouse (1785) e Harrison (1791). Quando os cartógrafos se afastavam dos modelos de d’Anvilie ou de Juan de la Cruz, era para seguir a linha do divortium aquarium, ou então, o curso do Rupununi com as bacias do Tacutu e do Mahu, como fronteira entre as Guianas holandesa e portuguesa.

39 Prova Cartographica, Primeira Memória Brasileira, p. 371 e segs.
40 Primeira Memória Brasileira, p.374

De 1749 até 1840, só existe um único mapa reivindicando para os holandeses a região em litígio: o de Heneman42, um alemão a serviço da Holanda. Algumas dúvidas, porém, existem em relação a essa carta geográfrica de Heneman. Inicialmente, nada é menos certo que sua data. A Inglaterra ora o apresentou como sendo de 1770, no seu litígio com a Venezuela, ora de 1801, no seu litígio como Brasil.43 Além do mais, e isto era o mais importante para o Brasil, esse mapa jamais foi publicado. E Heneman é autor de outro mapa, no qual adota como demarcação a linha d’ Anville.44

41 Primeira Memória Brasileira, p. 375. “Que Vos Seigneuries veuillents bien examiner la carte de
cette contrée, dressée par M. D’Anville avec le plus grand soin, et elles verront clairement que c’est
un fait. Nos frontières, elles aussi, sont accusée d’une façon qui prouve que le compilateur était
fort bien renseigné.” Le Directeur Général du Essequibo, à la Compagnie des Indes Occidentales,
9 de setembro de 1758, in Segunda Memória Brasileira, 1903, anexo 3— Documentos de Origem
Holandesa, doc. 27, p.126.
42 Primeira Memória Brasileira, p. 376.
43 Memória Inglesa, p. 167 e l68.
44 “É inútil investigar a data exacta d’esse manuscripto. Outro do mesmo engenheiro (Esboço dado
mappa das Colonias do Rio Demerara e do Rio Essequibo, como também da abandonada colonia
do Rio Pomeroon, junto com uma parte da Colonia da Rio Berbice) dá a linha d’AnvilIe, em parte
somente, porém na mesma direcção, o que, se ella fosse prolongada, daria o mesmo traçado, e é portanto
o reconhecimento d’elle. Basta-nos dizer que não é uma carta de limites com Portugal, porém
sómente com a Hespanha. O título diz: “Esboço de mappa dos Limites entre a Real Guvana Hespanhola
e a Guyana Hollandeza no continente da America do Su1”(...) O mappa perde assim toda
a importancia pelo excesso da pretensão no interior da Guyana Hespanhola. A linha que atravessa o
território brazileiro é apenas uma sahida. A base é a linha que corta a Guyana Hespanhola da costa
até às cabeceiras do chamado Pararuma Trace-se a mesma linha, que corre para sudoéste. sobre a carta
de d’ Anville de 1760, isto é, até as cabeceiras n‘esta carta do Rio Pararuma, e ter-se-há a explicação
do mappa: o traçado teve por fim abranger, se acaso existisse, o Lago Parima, da edição de d’Anville
de 760, quando as explorações hespanholas. como vimos, davam novo e dobrado prestigio àquella
lenda.” Primeira Memória Brasileira, p. 376-377.

Destarte, concluiu o advogado brasileiro, pode-se dizer que a cartografia se pronuncia unanimemente em favor do Brasil.45
III – Considerações finais
Conforme já havíamos anteriormente dito, esta foi a versão brasileira da descoberta e conquista do vale do Rio Branco, apresentada ao árbitro italiano pelo advogado brasileiro Joaquim Nabuco, na arbitragem de 1904. É a versão que consta dos autos. Devemos sempre ter em mente que muitos desses dados foram contestados pela Inglaterra, que apresentou uma segunda versão de muitos dos fatos narrados. As contestações inglesas, bem como sua versão, foram, por sua vez, oportunamente rebatidas pelo advogado brasileiro Nossa intenção não é reviver o litígio, mas apenas esclarecer a linha de argumentos utilizada por Nabuco na apresentação da contenda, pois, conforme também já dissemos anteriormente, muito se tem dito sobre o trabalho de Nabuco, porém sempre de maneira deficitária e parcial. Não estamos, neste artigo, tomando qualquer partido no tocante aos problemas que a demarcação das duas reservas indígenas têm suscitado; apenas estamos procurando esclarecer alguns fatos históricos que as duas parte têm invocado, no mais das vezes, erroneamente.
A conclusão é que a conquista do território que hoje compõe o Estado de Roraima foi feita por uma série de desbravadores luso-brasileiros e que as façanhas daqueles aventureiros, quase sempre movidos por uma cobiça hoje tida por reprovável, foi que permitiu a posse e defesa daquelas então longínquas fronteiras; e que, naquela aventura, os nativos da terra, os índios macuchis, nunca foram ouvidos.
Diz-se atualmente que os índios macuchis foram fundamentais para a consolidação da fronteira leste de Roraima. Que foi sua adesão ao Brasil, manifestada na arbitragem, que permitiu a ocupação daquele território. Nada mais falho. Segundo os autos, foi justamente o contrário. A única vez que os
índios tiveram voz foi quando a Inglaterra conseguiu o pronunciamento de vários caciques se declarando súditos ingleses, e, inclusive, esta foi uma das principais linhas de argumentação da Inglaterra. Segundo as Memórias britânicas, os nativos execravam os brasileiros e manifestavam simpatias pelos “paranakiri” - homens do mar, como denominavam os holandeses e, mais tarde,os ingleses.
Diversos testemunhos neste sentido teriam sido recolhidos em 1898 pelo comissário inglês Mac Turk.46 Joaquim Nabuco, por seu lado, procurou desacreditar a argumentação inglesa, declarando que a aquiescência dos nativos ao domínio inglês resumia-se a 32 índios, a maior parte de pouca idade e que só puderam conhecer o território contestado após sua neutralização, ou seja, após a cessação do exclusivo controle brasileiro da área.47 Como então, diante destes fatos, declarar que foi o consentimento dos índios que definiu a fronteira e a conquista territorial de Roraima? Só com o completo esconhecimentos dos autos da arbitragem de 1904.

45 Note-se que nesse ponto, o advogado seguia as marcas traçadas pelo Barão do Rio Branco, ainda
que tenha desenvolvido mais o argumento: Mémoire sur la question des limites entre les États-Unis
du Brésil et la Guyane Britannique. Première Partie — Exposé Préliminaire I e V, Bruxelas: Imprimerie
des Travaux Publiques, 1897/ Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, Obras Completas do Barão
do Rio Branco, vol. 2, 1945.
46 Memória Britânica, p. 94, 96 e 112 - 123; Contra-Memória Britânica, p. 135 e 138; e Argumento
Final Britânico, p 87.
47 Segunda Memória Brasileira, vol. I, p. 298.

créditos: meu querido amigo, Manoel Soriano Neto

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