Sem reconquistar o controle da economia e das finanças onde elas se
encontram, não haverá como manter a Amazônia brasileira. O poder
militar, indispensável para isso, só tem possibilidade de ser construído
com a reconquista daquele controle.
Por Adriano Benayon 23/09/2008 às 16:16
O Jornal Folha de São Paulo assinala, em editorial, que o Itamaraty
contrariou a Constituição ao assinar (em 2007) a Declaração da
Assembléia-Geral das Nações Unidas sobre os ?direitos dos povos indígenas?.
O editor resume a incompatibilidade entre Declaração da AG da ONU e
o direito de países soberanos a conservar a integridade de seu
território, dizendomuito bem: ?O acervo constitucional brasileiro não abriga
o conceito de ?povos? nem de ?nações? indígenas. A lei fundamental admite
apenas uma nação, um território e uma população, a brasileira.?
A severa crítica é fundada, pois a Declaração prevê a ?autodeterminação?
de povos indígenas, ensejando que tribos indígenas troquem a tutela
disfarçada pela tutela declarada das potências hegemônicas. De fato, os
agentes destas, há decênios, infiltram-se nas extensas áreas amazônicas ricas em minerais e em biodiversidade, nas quais vêm obtendo demarcações abusivas
de ?reservas indígenas? em faixas contínuas.
Com efeito, aponta o editor: ?Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia ? perceberam a esparrela e não assinaram a declaração da ONU.? Mostra, ainda,
outro ponto insustentável: o documento da ONU restringe ações militares em
terras indígenas. ?As áreas ocupadas por índios no Brasil são propriedade da
União e, para fins de defesa nacional, estão sujeitas à presença permanente
das Forças Armadas.? E: ?Na [zona de] fronteira, definida como a faixa de
150 km até a divisa com outros países, a presença militar é mandatória
[obrigatória].?
Entretanto, depois de expor tudo isso, o editorial, faz conclusão oposta aos
interesses nacionais: ?O decreto presidencial, contestado no Supremo
Tribunal Federal, que homologou a terra indígena Raposa/Serra do Sol,
em Roraima, manteve-se na linha prescrita pela lei fundamental.?
Diz, ainda, a Folha: ?? o Itamaraty resolveu dar sua contribuição para uma
celeuma gratuita a respeito do assunto. Assinar documentos internacionais
que contrariam a Constituição do país é erro diplomático elementar.?
Ora, a celeuma só é gratuita para ingênuos. O jornal aparenta imparcialidade,
mas defende o decreto pernicioso. Parece ter como objetivo apenas fustigar
o governo, coisa que não fazia em outros tempos, quando este estava sob
direção ainda mais subserviente para com a oligarquia mundial.
O decreto traz ameaça maior à integridade do território nacional do que a
declaração da ONU, contra cuja aprovação, pendente no Senado, o Jornal,
de resto, não faz advertência clara. Se aceito pelo STF, o decreto assegura,
no terreno, a exclusão dos brasileiros de todas as raças e oriundos de todas
as miscigenações, sob o primado do princípio racista, determinando
a expulsão dos ?não-índios? e a da maioria dos índios, a qual não quer ser
excluída da comunidade brasileira.
O decreto é inconstitucional não só por ferir os direitos dos brasileiros de
toda e qualquer origem radicados na área, mas também por se basear em
política racista de limpeza étnica. Leva, de fato, a segregar do território
nacional as áreas demarcadas. Ora, a situação no terreno é determinante,
pois o direito não costuma prevalecer sem a capacidade, especialmente
militar de o fazer respeitar.
Por isso, o estribilho recitado pelos defensores da entrega de territórios
nacionais refere-se à Declaração da AG da ONU, retirando o foco do
julgamento no STF sobre a validade do decreto de demarcação. Isso porque
o essencial, no momento,para as potências hegemônicas é garantir que saiam
das áreas demarcadas os brasileiros não vinculados a seu serviço direto ou por ONGs e entidades religiosas interpostas.
das áreas demarcadas os brasileiros não vinculados a seu serviço direto ou por ONGs e entidades religiosas interpostas.
Com ou sem o voto do Brasil aderindo à Declaração, as potências
hegemônicas já obtiveram tantas capitulações de governos do Brasil e já o
fizeram enfraquecer tanto, que, para as desencadearem o processo de ?independência? de pretensas nações indígenas, só falta a demarcação em
faixa contínua. Elas farão, mesmo desaprovadas por países menos afinados com o Império anglo-norte-americano, como a Rússia e a China. Em função da dificuldade geoestratégica, estas provavelmente se absteriam de intervir, embora percebam seus interesses prejudicados.
faixa contínua. Elas farão, mesmo desaprovadas por países menos afinados com o Império anglo-norte-americano, como a Rússia e a China. Em função da dificuldade geoestratégica, estas provavelmente se absteriam de intervir, embora percebam seus interesses prejudicados.
Em suma, a defesa da Amazônia não é viável sem mudança institucional
profunda no Brasil. Só um sistema político não-governado pelo dinheiro
concentrado, que ~domina as ?disputas? eleitorais, pode realizar a
indispensável autodeterminação nacional, que exige criar estruturas
econômicas, políticas e culturais completamente distintas das presentes.
Sem reconquistar o controle da economia e das finanças onde elas se
encontram (São Paulo, Rio de Janeiro etc.), não haverá como manter a Amazônia brasileira.
O poder militar, indispensável para isso, só tem possibilidade de ser construído
com a reconquista daquele controle.
*Adriano Benayon Doutor em Economia, professor da Universidade de Brasília (UnB).
Autor de ?Globalização versus Desenvolvimento? (Editora Escrituras).
Email:: benayon@ig.com.br