A reforma administrativa e política do estado do Amazonas, tema palpitante que raros amazonenses conhecem com profundidade e poucos com superficialidade, teve muitas idas e vindas. Isso despertou-me o interesse em abordá-lo e compartilhá-lo, ainda que “de passagem”.
A abordagem está dividida em sete textos que serão postados semanalmente. É uma perspectiva histórica na qual narrarei o seu passo-a-passo. Socorri-me da vasta literatura conhecida e outras desconhecidas, fruto de muita pesquisa. Estas trarão novas e relevantes informações.
Tudo começa quando o Rei D. José I cria, através da Carta Régia de 3 de março de 1755, a Capitania de São José do Rio Negro. De acordo com aquele documento, a capital da nova Capitania seria a Vila de São José do Javari. Mas dois anos mais tarde, a capital seria transferida para a então aldeia de Mariuá, atual cidade de Barcelos.
Entre 1779 e 1786 a Capitania foi administrada por oito juntas governativas provisórias, todas subordinadas ao Grão-Pará e Rio Negro. Somente em 1792, graças ao empenho de Lobo d’Almada, a sede da Capitania foi transferida para o Lugar da Barra, atual Manaus. A Barra tornou-se sede definitiva de São José do Rio Negro em 29 de março de 1808.
Em março de 1821, por meio da Decisão de Governo n. 13, o ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino, Ignácio da Costa Quintella, comunicava oficialmente a partida de D. João para Portugal e a imediata convocação das eleições dos representantes brasileiros para as Cortes em Lisboa.
As eleições para as Cortes de Lisboa movimentavam o país. Em São José do Rio Negro, a eleição aconteceu em 14 de janeiro de 1822, sendo escolhidos os deputados José Cavalcante de Albuquerque (titular) e João Lopes da Cunha (substituto), primeiros representantes federais eleitos pelo voto popular da história do Amazonas.
O Pará até reconhecia a legitimidade da Província do Rio Negro e a vontade em fazer com que as Cortes de Lisboa também aceitassem e sancionassem a elevação rionegrina, bem como a junta de governo. Mas o deputado José Ricardo da Costa Aguiar de Andrada, que residia no Pará, com apenas um discurso, mudou a situação da província quando questionou a emancipação da Província do Rio Negro, dizendo tratar-se de um equívoco. Sem representantes em Portugal, a província não pôde contra argumentar e não se emancipou.
Bem, essa introdução é só um aperitivo, depois veio o movimento pela Independência do Brasil, notícia que só chegou na Barra em 9 de novembro de 1823, quatorze meses após o grito de D. Pedro I, até que o imperador D. Pedro II assinou a Lei 582, de 5 de setembro de 1850, criando a província do Amazonas.
De acordo com aquele documento, a capital da nova Capitania seria a Vila de São José do Javari. No entanto, em razão desta localizar-se muito próxima à fronteira com as colônias espanholas, dois anos mais tarde o alvará de 18 de julho de 1757, transferiu a capital para a então aldeia de Mariuá, situada numa região mais central, menos exposta à invasão castelhana e próxima a Belém, sede do estado.
No ano seguinte, a 6 de maio de 1758, o governador Mendonça Furtado elevou Mariuá à categoria de vila, com o nome de Barcelos. A instalação efetiva da Capitania de São José do Rio Negro ocorreu no outro dia, sendo seu primeiro governador, por indicação régia, o coronel Joaquim de Melo e Póvoas, que era sobrinho de Mendonça Furtado e do primeiro-ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, mais conhecido como Marquês de Pombal. Ressalte-se que, até à chegada de Melo e Póvoas, foi o próprio Mendonça Furtado quem governou a nova Capitania. Nesta época, além de São José do Rio Negro, o estado do Grão-Pará e Maranhão era composto pelas capitanias do Pará, Maranhão e Piauí.
Sob a condição de vila, Barcelos foi dotada de uma Câmara Municipal, cujos primeiros membros foram João Nobre da Silva e Manoel de Vasconcelos, juízes; Xavier da Silva Oliveira, Estevão Cardoso de Ataíde e Francisco Xavier de Morais, vereadores; Agostinho Cabral de Sousa, procurador, e Francisco Xavier de Andrade, tabelião e escrivão.
Na administração do quinto governador da Capitania do Rio Negro, coronel Joaquim Tinoco Valente, empossado em 16 de outubro de 1763, pensou-se em construir em Barcelos o palácio do governo. Entretanto, como a ideia foi vetada pela capital paraense, a solução encontrada foi reformar o hospício dos carmelitas e torná-lo o prédio administrativo da Capitania.
Em 20 de agosto de 1772, o estado do Grão-Pará e Maranhão foi dividido em duas unidades administrativas independentes: estado do Maranhão e Piauí – com base em São Luís e cujo primeiro governador foi Joaquim de Melo e Póvoas – e estado do Grão-Pará e Rio Negro – sediado em Belém e administrado por João Pereira Caldas.
Da morte do coronel Tinoco Valente, ocorrida em 23 de agosto de 1779, até à nomeação do brigadeiro Manoel da Gama Lobo d’Almada em 26 de agosto de 1786, a Capitania de São José do Rio Negro foi administrada por oito juntas governativas provisórias, todas subordinadas diretamente ao marechal Pereira Caldas, ex-governador do Grão-Pará e Rio Negro e então responsável pela demarcação das fronteiras na região. As juntas eram formadas pelo ouvidor, pelo vereador mais velho da Câmara Municipal da vila de Barcelos e pelo comandante da Guarnição.
Lobo d’Almada somente veio a assumir São José do Rio Negro em 9 de fevereiro de 1788, quase dois anos após sua nomeação, demora justificada pelos trabalhos de exploração que ele estava realizando no vale do rio Branco. Quatro anos mais tarde, a sede da capitania foi transferida para o lugar da Barra (atual cidade de Manaus) pela primeira vez, por causa da “sua situação geográfica e pela salubridade que oferecia.” (REIS, 1934, p. 51).
O lugar recebeu melhoramentos, a igreja matriz da Barra passou por reformas e foram construídos uma sede administrativa e prédios destinados à Guarnição, além de armazéns para a Fazenda. Àquela época, conforme o censo demográfico realizado na região em 1793, a Capitania possuía 13.728 habitantes, sendo 11.789 índios, 1.365 brancos e 574 negros (LOUREIRO, 1979, p. 139).
O sucesso obtido por d’Almada em seu trabalho pelo desenvolvimento do Alto Amazonas gerou-lhe atritos com o governador do estado, Francisco de Sousa Coutinho, que parecia temer a perda do cargo para o capitão-mor do Rio Negro. Coutinho passou a articular contra d’Almada, principalmente junto a Lisboa, acusando-o levianamente de improbidade.
A estratégia do governador (que era irmão do ministro Rodrigo de Sousa Coutinho, secretário dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos) atingiu seu objetivo com o aviso enviado de Portugal a Lobo d’Almada em 17 de julho de 1797, alertando ao capitão-mor de que não enriquecesse com o ouro da Coroa. Em 2 de agosto daquele mesmo ano, Lobo d’Almada enviou carta a Lisboa elencando motivos para que a Coroa elevasse a Capitania a Governo Geral do Rio Negro. Não obteve, porém, resposta positiva.
Diante das acusações de improbidade administrativa, em 22 de janeiro de 1798 o capitão-mor rionegrino realizou em sua defesa um inventário minucioso de todos os seus bens e comprovou que, na realidade, era a Fazenda Real quem lhe devia soldos. Naquele mesmo ano, em 3 de agosto, d’Almada sofreria nova derrota política: por ordem do ministro Rodrigo de Sousa Coutinho, a sede da Capitania voltou para a vila de Barcelos, mudança que ocorreu efetivamente em maio de 1799.
Sua sequência de infortúnios naquele ano prosseguiu: a 31 de agosto, o coronel José Antônio Salgado foi nomeado para substituí-lo no comando da Capitania. E dois meses depois, em 27 de outubro de 1799, Manoel da Gama Lobo d’Almada sucumbiu ante o paludismo adquirido em suas expedições no Alto Rio Negro e o desgosto por ter sua reputação manchada, graças às articulações do governador Francisco de Sousa Coutinho.
O “algoz” de Lobo d’Almada encerrou sua administração à frente do governo do estado do Grão-Pará e Rio Negro em 1803, sendo sucedido por D. Marcos de Noronha e Brito. Este, em 13 de agosto de 1805, como forma de reconhecer o trabalho de d’Almada na região, ordenou ao recém-nomeado capitão-mor do Rio Negro, coronel José Simões de Carvalho, que reconduzisse a sede da capitania para o lugar da Barra. A transferência, porém, não ocorreu, porque Simões de Carvalho, em meio à viagem para assumir o cargo, faleceu no dia 7 de outubro de 1805, em Vila Nova da Rainha (Parintins), vítima, segundo relatam alguns historiadores, de uma indigestão causada por ovos de tartaruga.
José Joaquim Vitório da Costa, que assumiu a administração rionegrina em 4 de fevereiro de 1806, transferiu sua residência da vila de Barcelos para o lugar da Barra em 10 de outubro de 1807, de onde passou a governar a capitania. Poucos meses depois, a Barra, enfim, tornou-se sede definitiva de São José do Rio Negro, fato ocorrido em 29 de março de 1808. E para sacramentá-la como capital, em 1816 o capitão-mor Vitório da Costa deu ordens ao seu genro Francisco Ricardo Zany para que destruísse todas as construções reais existentes na vila de Barcelos, poupando apenas o palácio, a igreja e a provedoria.
Quando estava prestes a ser substituído na governança da capitania, Vitório da Costa, que não gozava da simpatia das vilas, “solicitou” às câmaras municipais que emitissem atestado, elogiando a sua administração. Sob a ameaça de serem degredados para as prisões localizadas no lugar do Crato (atual cidade de Manicoré) e no forte de São José de Marabitanas (construção que se encontra atualmente em ruínas no município de São Gabriel da Cachoeira), os vereadores cederam ao seu “pedido”, à exceção da câmara da vila de Serpa (hoje, município de Itacoatiara).
Último governador de São José do Rio Negro antes da Independência do Brasil, Manoel Joaquim do Paço assumiu o cargo em 10 de dezembro de 1818. Para conquistar a simpatia popular e prolongar o seu mandato, o coronel solicitou a Portugal que concedesse autonomia para a capitania.
Seu pedido ao rei D. João VI contou com o apoio de Silves, Barcelos e Vila Nova da Rainha (Parintins). No entanto, mais uma vez a subordinação ao Pará permaneceu. Decorridos três anos de sua administração, Paço foi derrubado do comando da Capitania.
Elevação de Manaus à Categoria de vila
O ano de 1833 se mostraria nada auspicioso às aspirações de emancipação da região rionegrina. Com o advento do Código do Processo Criminal – promulgado pela Regência em novembro do ano anterior –, os presidentes, em conselho, ficaram incumbidos de reorganizarem a divisão administrativa de suas províncias, seguindo a orientação do artigo 3º daquele documento:
Na Província onde estiver a Corte, o Governo, e nas outras os Presidentes em Conselho, farão quanto antes a nova divisão de Termos e Comarcas proporcionada, quanto for possível, à concentração, dispersão, e necessidade dos habitantes, pondo logo em execução essa divisão, e participando ao Corpo Legislativo para ultima aprovação.
(Lei de 29 de novembro de 1832, que promulgou o Código do Processo Criminal de primeira instância, com disposição provisória acerca da administração da Justiça Civil)
Em face desta determinação, em 25 de junho daquele ano o então presidente da província do Pará, José Joaquim Machado de Oliveira, enviou à Câmara Municipal de Serpa (que ainda era classificada como vila) um documento que dividia o território paraense em três comarcas: Grão Pará, Baixo Amazonas e Alto Amazonas.
A comarca do Alto Amazonas (ex-província do Rio Negro) passava a ser composta por quatro Termos, que foram assim subdivididos.
27. O Lugar da Barra do Rio Negro fica ereto em Vila com a denominação de Manaus, servindo de cabeça de Termo, em o qual se compreende a mesma Vila, e a de Silves, que perde o predicamento de Vila e a denominação de Silves, sendo substituída pela de Saracá; e bem assim as Freguesias de Aturiá e de Amatari (suprimindo o título de Missão), e de Jaú, que era denominada Airão, com os seus atuais limites.
28. A Missão de Maués fica ereta em Vila com a denominação de Luzéa (suprimido o título de Missão), compreendendo em seu Termo a mesma Vila; a de Borba, suprimido o predicamento de Vila e a denominação de Borba, que deve ser substituída pela de Araretama; e as Freguesias de Vila Nova da Rainha, que perde esta denominação, ficando com a de Tupinambarana, e Canumã (suprimido em ambas o título de Missão); e tendo por limites o Parintins e o rio Madeira, inclusive.
29. O Termo de que é cabeça a Vila de Ega, que perde esta denominação e é substituída pela de Tefé, compreende a mesma Vila e a de Olivença (suprimido o predicamento de Vila e a denominação de Olivença, que é substituída pela de Javari); e as Freguesias de Coari, Fonte Boa, Amaturá e Tabatinga, com seus antigos limites.
30. O Termo de que é cabeça a Vila de Barcelos, que perde esta denominação e é substituída pela antiga de Mariuá, compreende a mesma Vila e as de Moura e Thomar, que perdem o predicamento de Vilas e as denominações, que são substituídas, a 1ª pela de Itarendaua, e a 2ª pela de Bararoá, com seus antigos limites; e as Freguesias do Carvoeiro, que deverá ter a denominação de Araçari, do Moreira, que passa a ter a denominação de Caboquena, do Carmo, de Santa Isabel e de Marabitanas, com os seus atuais limites; e ficam suprimidas as Freguesias de Poiares, Lamalonga e Santa Maria de Betlem, por se acharem abandonadas.
N.B. Todas as Vilas que perdem este predicamento ficam com o de Freguesias.
(Divisão das Comarcas e Termos da Província do Pará, feita em cumprimento do Artigo 3º do Código do Processo Criminal, pelo Governo em Conselho, nas Sessões ordinárias de 10 a 17 de maio de 1833, p. 2, in Relatório do Presidente da Província do Pará, Machado D’Oliveira, de 3 de dezembro de 1833)
Elevada à categoria de vila, Manaus agora possuía uma Câmara Municipal e deixava a “situação humilhante de distrito, de subúrbio de Serpa.” (REIS, 1934, p.69). E por ter sido escolhida como sede da comarca, também foi dotada de um juizado de direito, um juizado de órfãos e uma promotoria pública.
Apesar de o Digesto de 1828 indicar, em seu artigo 2º, que os pleitos municipais deveriam ocorrer sempre no dia 7 de setembro, a eleição da 1ª Legislatura da Câmara Municipal de Manaus aconteceu somente em 17 de dezembro de 1833, no edifício da Fábrica Imperial, e foi presidida por Joaquim Rodrigues Callado.
Os sete vereadores eleitos foram Manoel Gonçalves Loureiro Filho (36 votos), Francisco Gonçalves Pinheiro (36 votos), Mathias da Costa (31 votos), João Ignácio Rodrigues do Carmo (28 votos), Francisco de Paula da Silva Cavalcante (27 votos), Henrique João Cordeiro (26 votos) e Cláudio José do Carmo (26 votos). De acordo com o artigo 168, da Constituição de 1824, a função de presidente da Câmara seria exercida pelo vereador mais votado. Por isso, como houve empate entre os dois primeiros, foi realizado um sorteio em que Manoel Gonçalves Loureiro Filho venceu e Francisco Gonçalves Pinheiro ficou como vice-presidente.
A sessão inaugural da 1ª Legislatura da Câmara Municipal de Manaus ocorreu em 21 de dezembro de 1833 na mesma Fábrica Imperial onde ocorreu o pleito. Houve missa solene na Matriz de Nossa Senhora da Conceição, realizada pelo frei José dos Inocentes e que custou aos cofres públicos o valor de 26$000 (vinte e seis mil réis).
No ano seguinte, em 4 de agosto de 1834, os vereadores votaram e aprovaram a divisão do Termo da vila de Manaus em três distritos. A reunião ocorreu na residência do vice-presidente Francisco Gonçalves Pinheiro, local que estava servindo de sede para a Câmara Municipal. Os distritos ficaram assim distribuídos:
“… a primeira a freguesia de Saracá, compreendendo em si para a parte de cima até o paraná-mirim de Canauaçan, e para a parte de baixo até as barreiras de Cararaucú, compreendendo os seus limites, todos os lagos, rio Atomá, e todas as suas vertentes. Segundo distrito, a freguesia de Serpa, compreendendo Amatary na mesma visto o abandono de uma, e outra entrando os seus limites para a parte de riba até a boca debaixo do paraná-mirim do Amatary, entrando o lago Guautas, Mamory, e todos os mais, e suas vertentes. E terceiro distrito que é o desta vila, compreende em si pelo rio Negro até Jaú, rio Solimões até ao lago Anory, e para baixo até a boca de baixo do paraná-mirim de Amatary, e todos os mais rios, lagos e suas vertentes.” (REIS, 1934, p. 76-78)
Esta deliberação foi registrada na ata da sessão extraordinária realizada no dia 14 de agosto daquele mesmo ano, escrita pelo secretário interino Jerônimo Afonso Nogueira e assinada pelos vereadores Francisco Gonçalves Pinheiro, Jerônimo Conrado de Carvalho, Aniceto da Silva Craveiro, Martinho Joaquim do Carmo, Alexandrino Magno Taveira Pau Brasil, José Antônio de Oliveira e Gregório Naziazeno da Costa.
A Câmara Municipal da vila de Manaus obteve muito prestígio e bastante influência dentro da comarca do Alto Amazonas. “Todas as ordens que se expedem de Belém escalam primeiro por aí. A Câmara é que as envia aos outros Termos.” (MIRANDA, 1984, p. 34).
Henrique Cordeiro, juiz de direito e chefe de polícia, era a primeira autoridade policial do Distrito. Dias Guerreiro era o juiz de paz
NOTAS:
1. https://blogdodurango.com.br/artigos/um-breve-historico-da-formacao-do-estado-do-amazonas-i/
2.Fome, êxodo e suicídio: os problemas de São Gabriel da Cachoeira
http://vaidape.com.br/2017/06/fome-exodo-e-suicidio-os-problemas-de-sao-gabriel-da-cachoeira/
3. https://blogdodurango.com.br/artigos/um-breve-historico-da-formacao-do-estado-do-amazonas-v/